Ville de Montagne
Ville de Montagne

Processo: 2006.08.1.004161-8

Circunscrição: 8 - PARANOA
Processo: 2006.08.1.004161-8
Vara: 201 - VARA CIVEL DO PARANOA

SENTENÇA

RELATÓRIO PROCESSO N.º 3.369-6/06 - MANUTENÇÃO DE POSSE
AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE ajuizou, em 19/05/2006, em desfavor de CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASILIA, a presente Ação de MANUTENÇÃO DE POSSE, pela qual pleiteia a manutenção de posse sobre a servidão de passagem da área denominada "Entrada n.º 2 do Ville", composta do imóvel tido por QD-03, CONJ-23,

LOTE-03, CONDOMINIO SOLAR DE BRASÍLIA, e da área externa, contígua a ele. Alega a Requerente que antes da implantação do Condomínio Solar de Brasília, há pelo menos dez anos, estabeleceu-se e consolidou-se informalmente uma passagem alternativa dando acesso à parte Sul do Condomínio Ville de Montagne, grande em extensão, com mais de mil casas e pelo menos três mil pessoas. Que tal acesso configurou-se como servidão de trânsito não titulada. Esclarece que depois de todo esse tempo, implantou-se o Condomínio Solar de Brasília, o qual abrangeu a referida faixa de terras utilizada como passagem pelos moradores, trabalhadores e transeuntes do Ville de Montagne. Esclarece que a referida passagem, apesar de haver sido integrada à área do Condomínio Solar de Brasília, seria, em verdade, parte, em terra pública. Assevera, ainda, que, com a implantação do condomínio Solar de Brasília, parte da área em questão foi transformada em lote, o qual foi adquirido por ela, AMORVILLE, diante do receio de perder a passagem. Prossegue, asseverando que ali edificou uma guarita para controle da entrada de pedestres. Narra que, visando melhorar as instalações da entrada em tela, iniciou a construção de um muro, no qual instalou um portão de ferro, e de uma portaria, dentro do seu lote, respeitando as normas de edificação. Informa que em decorrência das obras foi notificada pelo Condomínio Solar de Brasília para adequar a obra à finalidade do imóvel, sob pena de multa e outras medidas. Aduz que, a par disso, o Condomínio Solar de Brasília começou a edificar, há cerca de dois meses, uma nova cerca ao lado da DF-001, em área que não integra o seu perímetro, fechando o acesso entre a rodovia e a "Entrada n.º 2 do Ville", a qual foi definitivamente fechada após a construção de um muro pelo Requerido. Declara que vem, sem êxito, tentando resolver a questão amigavelmente e que o Requerido reconhece a servidão de trânsito em questão. Ao final, além do de praxe, requer, liminarmente, a manutenção da posse sobre a servidão de trânsito a ser dimensionada por perícia, sob pena de cominação de multa, e ulterior procedência do pedido, com confirmação da medida liminar.
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RELATÓRIO PROCESSO N.º 4.161-8/06 - INTERDITO PROIBITÓRIO
CONDOMINIO SOLAR DE BRASILIA ajuizou, em 19/06/2006, em face de MARCO ANTONIO ELEUTÉRIO DE BARROS LIMA e ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE - AMORVILLE, a presente Ação de Interdito Proibitório, pela qual, em síntese, o Requerente declara constituir-se condomínio com projeto Urbanístico do parcelamento do solo aprovado pela Lei Complementar n.º 585/2002. Informa, igualmente, a existência de decisão judicial garantido sua posse sobre o imóvel onde está implantado o Condomínio Solar de Brasília, obtida no AGI-24-4/98 e de decisão proferida na Ação de Manutenção de Posse n.º 61.099/97, ajuizada perante a 4.ª Vara da Fazenda Pública do DF e proposta pelo Requerido em face da CIA. IMOBILIÁRIA DE BRASILIA - TERRACAP.e do DISTRITO FEDERAL. Assevera que desde janeiro de 1998 a sua área está protegida por cercas, as quais vêm sendo substituídas por muro e alambrado, sendo sua posse respeitada pelos Agentes Públicos e por particulares, em especial, pelos seus vizinhos. Declara que a segunda Requerida é sua condômina desde 04/04/2006 e que, em março de 2006, tentou abrir uma via de circulação e edificar portaria na sua unidade condominial, destinada para residência unifamiliar, afrontando o Projeto Urbanístico do Requerido, a sua Convenção e a Lei Complementar n.º 585/2002. Aduz que, mesmo advertida para suspender as obras, a segunda Requerida prosseguiu com as edificações e afixou uma faixa incitando terceiros a utilizarem a fração como passagem. Informa que MARCO ANTÔNIO ELEUTÉRIO DE BARROS LIMA, em 15/05/2006, associado da segunda Requerida, motivado pela faixa, cortou a cerca do alambrado do Requerente e iniciou a destruição do muro e do mesmo alambrado, que cercam a área do Requerente - fatos que deram ensejo a registro de Boletim Policial. Aduz que, apesar da turbação sofrida, permanece na posse da área. Ressalta que, na qualidade de condômina, cumpre à segunda Requerida observar as normas condominiais vigentes, especialmente, quanto à destinação da sua fração. Destaca recear que novos atos atentatórios sejam perpetrados contra a sua posse. Ao final, pleiteia a concessão de liminar para determinar que os Requeridos se abstenham de praticar atos tendentes a molesta a posse do Requerente e que segunda Requerida retire a faixa afixada no local, sob pena de multa. Como pedido principal requer que os Requeridos sejam condenados a se absterem de praticar atos atentatórios à posse do Requerente, bem como a condenação da segunda Requerida a dar destinação residencial ao imóvel de sua titularidade (QD-03, CONJ-32, LOTE-03, Condomínio Solar de Brasília), além da condenação pelos prejuízos causados.
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Eis os relatórios.
DECIDO.
Cuida-se de Ações de Manutenção de Posse e de Interdito Proibitório, com pólos invertidos, conexas, em que as partes disputam a posse da área tida por QD-03, CONJ-32, LOTE-03, Condomínio Solar de Brasília, bem como a da área externa contígua àquela. A AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE pleiteia a livre utilização do imóvel, utilizado, segundo ela, há muito tempo, como segunda entrada para o interior do Condomínio Ville de Montagne, situação que configura servidão de passagem aparente e não titulada. Por outro lado, o CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASÍLIA, do qual faz parte o lote em questão, afirma que a AMORVILLE, titular do imóvel, ao tentar edificar uma portaria no local, desvirtua a sua destinação, a qual, explica, é residencial, ameaçando a posse. Ambos requerem a tutela possessória.
Ressalto que foi deferida liminar em favor do Condomínio Solar de Brasília, proibindo a AMORVILLE de praticar qualquer ato que representasse molestação à posse do Condomínio Solar de Brasília e determinada a retirada da faixa afixada no muro do referido lote.
Os autos se encontram aptos a serem sentenciados, eis que as provas carreadas, a nosso sentir, são suficientes para o acerto do litígio. Destaque-se que a decisão proferida em ambos os feitos, indeferindo a produção da prova oral, restou acobertada pela preclusão.
Inicialmente, verifica-se penderem questões de ordem formal a exigir enfrentamento. Na Contestação oferecida pelo Condomínio Solar de Brasília, nos autos da Manutenção de Posse, foi suscitada preliminar de carência de ação sob o argumento de que as terras sobre as quais está assentado o Condomínio Ville de Montagne são públicas. Já na réplica apresentada nos autos do Interdito Proibitório, esse mesmo litigante reclama a revelia tanto da AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTANGE, quanto do Requerido Marco Antônio Eleutério de Barros Lima. Daquela porque apresentou a defesa fora do prazo e deste por não ter apresentado defesa.
Em relação às matérias de ordem formal aventadas pelo Condomínio Solar, urge esclarecer que, em referência à decretação da revelia do Requerido Marco Antônio Eleutério de Barros Lima, tal pleito resta prejudicado em face dos termos da Transação Penal entabulado entre as partes, quando da Audiência de Instrução e Julgamento relativa ao TC-Queixa-Crime n.º 6477-3, figurando como Querelante CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASÍLIA e como Querelado MARCO ANTONIO ELEUTÉRIO DE BARROS LIMA. Pelo termo houve a composição civil dos danos, obrigando-se o Querelado a indenizar o Querelante pelos prejuízos causados. Por sua vez, naquela assentada, o Condomínio Solar de Brasília obrigou-se a desistir do Interdito em relação ao Requerido Marco Antonio Eleutério de Barros Lima - tudo conforme Ofício do 1º Juizado Especial de Competência Geral do Paranoá-DF (fl. 492/496). Com efeito, diante da desistência apresentada, ainda que, inicialmente, formulada em outro feito, a sua homologação é medida que se impõe.
No tocante à preliminar de carência de ação no feito da Manutenção de Posse ao argumento de que o CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE estaria em terras públicas, tal preliminar não merece albergue porque, de acordo com entendimento já cristalizado pelo egrégio Tribunal de Justiça, a tutela possessória, mesmo sendo o imóvel litigioso público, pode ser deferida quando disputada entre particulares. Nesse sentido, mencionam-se alguns julgados: a)20090020083352AGI, Relator NÍDIA CORRÊA LIMA, 3ª Turma Cível, julgado em 10/09/2009, DJ 20/10/2009 p. 66; b)20020210037775APC, Relator ANGELO PASSARELI, 2ª Turma Cível, julgado em 26/08/2009, DJ 14/09/2009 p. 152; c)20050710024239APC, Relator JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, julgado em 05/08/2009, DJ 19/08/2009 p. 84; d)20080310152175ACJ, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 25/11/2008, DJ 15/01/2009 p. 83; e)20030110266038APC, Relator MARIA BEATRIZ PARRILHA, 4ª Turma Cível, julgado em 28/04/2008, DJ 09/06/2008 p. 227.
Outrossim, o pedido de decretação da revelia da AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE, nos autos do Interdito Proibitório, não pode ser acolhido. Senão, confira-se: a publicação da decisão que apreciou o pedido liminar se deu no DJ de 27/07/2206 (fl. 417), uma quinta-feira. Contando-se o prazo segundo a sistemática do Código de Processo Civil, tem-se como termo a quo o dia 11/08/2006, uma sexta-feira. Como o dia 11/08/2006, a exemplo de todos os anos, foi feriado - dia da instalação dos cursos jurídicos no Brasil - o prazo para apresentação da defesa adiou-se para o dia 14/08/2006, segunda-feira, data do protocolo da contestação (f. 418), que foi entregue no serviço de Drive-Thru. Com efeito, não se pode falar em intempestividade da peça.
À luz desses argumentos, rejeitam-se as preliminares argüidas.
Resolvidos os aspectos formais, avançamos ao mérito da causa.
A pretensão possessória deduzida pela AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTAGNE se esteia na posse da servidão de passagem alegada sobre a área hoje localizada nos limites do CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASILIA. Segundo aquela Associação, tal fato ocorreu antes mesmo do surgimento do Condomínio Solar de Brasília, ou seja, aproximadamente, em 1998.
É oportuno estabelecer que precede ao julgamento de um demanda a apuração dos fatos ocorridos pela análise e aquilatamento das provas apresentadas. Uma vez delineados os fatos e identificadas as normas, realizar-se-á a subsunção daqueles a estas. Em outras palavras, habilitado estará o Juiz a aplicar o direito ao caso concreto, verificando a exata relação de pertinência legal com o fito de realizar a Justiça.
Com efeito, orientados pela natureza das pretensões deduzidas, mister, primeiramente, apurar os fatos relevantes a serem considerados no julgamento.
No caso vertente, analisando-se o acervo probatório no intuito de se esquadrinhar o quadro fático, apurou-se: a) Em que pese que a implantação do Condomínio Ville de Montagne tenha se dado anteriormente à do Condomínio Solar de Brasília, este teve posse reconhecida judicialmente sobre a área que ocupa em 1998. Registre-se que a posse do Condomínio Solar de Brasília sobre as terras onde se instalou foi reconhecida em 16/01/98, data da decisão no AGI n.º 1998.00.2.000024-4, proposto pelo Condômino Solar de Brasília nos autos da Manutenção de Posse n.º 61.099/97, onde figura como Requerente e, como Requerida, a TERRACAP. Anote-se, por oportuno, que a sentença julgou procedente o pedido de manutenção de posse do Condomínio Solar de Brasília, tendo sido confirmada em 2.ª Instância (fls. 131/195); b) o Condomínio Solar de Brasília se posicionou entre o Ville de Montagne, em sua parte Sul, e a DF-001 (fls. 14, 222 224, 226; c) o Condomínio Ville de Montagne não é imóvel encravado, dispondo de acesso à via pública, para a qual tem sua portaria principal voltada (fl.09); d) o Condomínio Ville de Montagne adquiriu a unidade sita na QD-03, CONJ-32, LOTE-03, Condomínio Solar de Brasília, passando a dele fazer parte, na qualidade de condômina, em 18/02/2004 (fls..16/18); e) o Condomínio Ville de Montagne iniciou, um pouco antes do aforamento do feito, a construção de uma guarita no referido lote, intentado instalar uma portaria, e afixando no local uma faixa com os seguintes dizeres: "Atenção interessados:qualquer pessoa identificada poderá passar por aqui. Se alguém impedi-lo, chame a polícia. Se alguém tocar em você, processe. AMORVILLE."; f) O imóvel indicado tem destinação residencial; e g) Não existiam obras anteriores, realizadas pela AMORVILLE, na alegada Servidão de Passagem.
Desenhados os contornos fáticos, firmemos os marcos legais relacionados às temáticas tocadas pelo litígio.
Com esse desiderato, confira-se o que prevê o artigo 1.378 do Código Civil, litteris:
"Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis."
Já o artigo seguinte do mesmo Diploma preceitua:
"Art. 1379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por 10(dez) anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumada a usucapião."
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 (vinte) anos.
Por sua vez, o art. 1.213 do Código Civil, integrante do Capítulo que cuida dos efeitos da posse, enuncia:
"Art. 1.213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve."
Ainda, na fixação dos marcos legais, pela pertinência ao caso concreto, é valioso rememorar o que consigna o art. 1.208 do Código Civil, verbis:
"Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade."
Eis os principais marcos legais, a nosso aviso, relevantes e aplicáveis à espécie.
Identificados os fatos ocorridos, as teses esposadas e as normas regentes, impende laborar a subsunção dos primeiros às últimas. Assim, vejamos.
Conforme se extrai do texto legal, a Servidão de Passagem pressupõe a existência de dois prédios, com diversidade de donos, constituindo-se por ato de vontade ou, excepcionalmente, por usucapião. É direito real e, por conseguinte, originado com o respectivo registro no Registro de Imóveis.
Observe-se que dentre os requisitos para aquisição de uma Servidão de Passagem por usucapião destaca-se o exercício (entenda-se posse) incontestado e contínuo desta servidão, que deve ser, frise-se, aparente, por determinado período de tempo.
Na hipótese, a servidão de passagem alegada, consoante o declarado pela AMORVILLE, seria aparente e não titulada, isso porque não decorreu de ato de vontade inter vivos, tampouco de testamento e, sequer, de declaração judicial de usucapião. Constata-se não haver o direito real, na medida em que não há registro.
Não obstante a ausência de registro, a posse de uma suposta servidão poderia ser defendida por meio de interditos possessórios, nos termos do permissivo contido no art. 1.213 do Código Civil - retro transcrito. Por uma exegese contrario senso deste artigo, conclui-se que as servidões de passagem, quando aparentes, são passíveis de tutela via interditos possessórios.
A nosso entender, o legislador, ao permitir a proteção possessória às servidões aparentes, não discrimando se tituladas ou não, fitava, certamente, proteger o fato posse. Ou melhor, nos casos daquelas situações consolidadas pelo tempo, em que, por exemplo, uma estrada em terras de um prédio serviente fosse possuída pelo proprietário do prédio dominante, independentemente do registro ou não, tal situação poderia ser defendida pela via interdital. Todavia, a servidão necessária deve ostentar sinais exteriores, de constatação icto oculi.
Ora, o que o legislador quis proteger, como o fez em todo o Livro III, Título I - Da Posse, do Código Civil, é tutelar a posse. Então, para se fazer jus a essa proteção exige-se do pleiteante que demonstre a posse sobre a servidão, a qual, frise-se, será, necessariamente, aparente.
Volvendo ao caso em exame, a posse do Condomínio Ville de Montagne sobre a faixa de terras integrantes do Condômino Solar de Brasília, que classifica como servidão de passagem, não foi demonstrada. Senão, observe-se.
Posse, de acordo com definição repetida à exaustão, é a visibilidade do domínio. O poder físico sobre a coisa, donde se deduz que o poder é demonstrado pela subordinação da coisa ao seu possuidor. Melhor aclarando: enquanto na posse o possuidor tem "poder" sobre a coisa, o mesmo não ocorre quando se fala de detenção, por exemplo. Posse, fixemos, é a exteriorização do domínio. Para que ela se apresente é necessário que o possuidor se encontre imbuído da legitimidade do seu direito, subordinando a coisa a si.
É cediço que atos de tolerância não geram posse porque àquele que utiliza da coisa por tolerância do seu real titular não detém sobre ela qualquer poder, qualquer ingerência. No caso concreto, adiantamos, não se constata posse da AMORVILLE em relação à servidão da passagem, porquanto a não resistência do Solar de Brasília anteriormente faz crer mera tolerância, não induzido posse aos usuários, além de outras circunstâncias que serão abordadas adiante.
É oportuno pôr em relevo que, não decorrendo de ato de vontade nem de declaração judicial, a alegada servidão não poderia ser registrada, como de fato, não o foi. Não sendo registrada no Registro de Imóveis não ascendeu à categoria de Direito Real, oponível erga omnes. Com efeito, não se cuida de Direito Real.
Acresça-se que a posse do Condomínio Solar de Brasília sobre a área na qual se instalou foi reconhecida e garantida desde a decisão judicial proferida em janeiro de 1998. Ou seja, há mais de oito anos do ajuizamento das presentes Ações.
O Condomínio Solar de Brasília, como o próprio nome indica, representa, ainda que não regularizado, um domínio compartilhado por vários titulares, com áreas comuns, unidades autônomas, convenção, etc. Um condomínio, diga-se, com fins residenciais e com a destinação das suas unidades integrantes previstas nas normas internas.
Não é crível que um condomínio do tamanho do Solar de Brasília tenha assentido à posse de faixa de suas terras ao seu vizinho, o qual pretendia a área para fazer uma segunda portaria para si, por mera comodidade, haja vista não ser imóvel encravado, principalmente quando é notória a preocupação dos condomínios com segurança. A abertura de uma portaria em área do Condomínio Solar de Brasília sem sua expressa anuência para servir ao Condomínio vizinho, postado ao seu lado, indubitavelmente, fragiliza a sua segurança e expõe os condôminos próximos a ela a uma gama de dissabores facilmente presumíveis.
Destarte, se os empregados do Condomínio Ville de Montagne e alguns condôminos utilizaram a passagem por algum período, tal fato deve ser creditado a mera tolerância por parte do Condomínio Solar de Brasília. Atos de mera tolerância, nos exatos termos do art. 1.208 do Codex Civil, não induzem posse.
Reforça a convicção de que o Condomínio Solar de Brasília não reconhecia o local como passagem e apenas tolerava o trânsito de estranhos ali o fato de haver dado destinação residencial e classificado como fração ideal a faixa denominada de QD-03, CONJ-32, LOTE-03. Caso contrário, não teria criado uma unidade residencial autônoma no local. Acresça-se, por oportuno, que a aquisição pela AMORVILLE do lote em referência corrobora essa conclusão, na medida em que, reconhecida fosse a servidão pelo Condomínio Solar de Brasília, não necessitaria adquirir onerosamente o que já lhe era reconhecido. À frente dos argumentos tecidos é legítimo concluir que o uso da passagem se deu por mera tolerância do Condomínio Solar de Brasília, não gerando posse em favor da AMORVILLE sobre a área.
Ainda, a abonar esse entendimento, colaciono julgado da relatoria do eminente Desembargador Arnoldo Camanho de Assis, quando do julgamento da APC n.º 20040810056829, cujo teor da ementa é transcrito adiante. Destaque-se que o caso objeto do aresto guarda estreita similitude com o ora apreciado, de acordo com o que se depreende da passagem do voto, também adiante transcrito. Confira-se.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. ALTERAÇÃO. IMÓVEL RURAL NÃO ENCRAVADO. TURBAÇÃO. SERVIDÃO DE PASSAGEM. EMBARAÇO AO LIVRE CURSO DAS ÁGUAS. CONSTRUÇÃO DE CERCA. INDENIZAÇÃO. 1 - O art. 264, do CPC, permite que o autor altere o pedido inicial até a citação, sem o consentimento do réu. 2 - A tolerância do possuidor quanto à utilização de estrada por vizinho, mesmo durante anos, não lhe confere qualquer direito sobre o seu uso. 3 - Compete aos titulares de imóveis marginais aos cursos d'água conservá-los livres de embaraços que provoquem prejuízos a terceiro. 4 - É lícito ao autor cumular, na ação de manutenção de posse, o pedido possessório com o de recebimento de indenização por perdas e danos e a imposição de pena em caso de reincidência (art. 921, do CPC). 5 - Apelo improvido. Sentença mantida.(20040810056829APC, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 3ª Turma Cível, julgado em 29/10/2008, DJ 17/11/2008 p. 94).
A certa altura do seu voto, o eminente Desembargado Arnoldo Camanho de Assis se pontifica:
"... A conclusão a que se chega, inclusive levando em conta o laudo pericial de fls. 210/252, é a de que a utilização da referida estrada pelo apelante dá-se por mera tolerância das apeladas, já que a fazenda do mesmo não é encravada e possui cerca de quatrocentos metros de divisa com a via pública.
Ora, a inércia das apeladas durante certo período não induz posse e o fato de o apelante utilizar a estrada há muitos anos, e antes mesmo de as requerentes adquirirem os direitos de posse sobre o imóvel, não lhe confere nenhum direito..."
Na mesma linha de entendimento julgou a festejada Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, no acórdão cuja ementa se colaciona a seguir:
CIVIL. PROCESSO CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. PASSAGEM DE VEÍCULOS NO IMÓVEL. ATO DE MERA TOLERÂNCIA. Nos termos do artigo 932 do Código de Processo Civil, "o possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito. Defere-se a proteção possessória em favor do legítimo possuidor do imóvel, quando, a despeito deste permitir a travessia de veículos vizinhos no interior de sua propriedade, ocorre abuso por parte dos transeuntes, os quais, não se limitando a atravessar o imóvel com seus automóveis, passam a erigir no local construções irregulares. A tolerância de um proprietário de imóvel na travessia de veículos alheios sobre suas terras está no rol de atos meramente "precários e transitórios, consistindo em anuência tácita do proprietário as condutas praticadas por terceiros em seus imóveis" (ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. pág. 315); não constitui, portanto, servidão de passagem. Apelo conhecido e provido. (20070610048978APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 15/04/2009, DJ 29/04/2009 p. 106).
É oportuno, nesse ponto da análise, recuperar importante aspecto do instituto da Servidão de Passagem que é o aumento da comodidade do prédio dominante em detrimento do prédio serviente. Esclarecendo, enquanto um prédio se beneficia, aumentando a sua comodidade, o outro sofre uma restrição, um ônus, consistente na transferência, para o dominante, de algumas das prerrogativas do proprietário. A servidão, em última análise, é ônus imposto ao senhor de um prédio em prol de outro. Por envolver uma obrigação negativa ao dono do prédio serviente, redunda em restrição de direito, conforme já anotado. Aí a justificativa para a Servidão decorrer de um ato de vontade ou, excepcionalmente, por declaração judicial. Devem, pois, as servidões serem interpretadas restritivamente, de acordo com os limites do seu título.
No caso em julgamento, ainda que existente de fato a servidão, ela acarretaria desproporcionais, injustificáveis e iníquos ônus ao prédio serviente, no caso, o Condomínio Solar de Brasília.
Há que se observar, igualmente, a situação de ambas as partes: tanto o Condomínio Ville de Montagne quanto o Condomínio Solar de Brasília são "condomínios" ditos "irregulares", mas em processo de regularização o qual exige o preenchimento de certas exigências, dentre as quais, a apresentação por parte deles de um projeto urbanístico composto pela planta do condomínio. Nota-se que o mapa relativo ao projeto urbanístico apresentado do Condomínio Ville de Montagne, que deu azo ao Projeto de Lei Complementar n.º 1.235/01 (fl. 2870, não indica existência de passagem no local onde reclama a servidão de passagem. A omissão desta segunda portaria demonstra que, de fato, nunca foi reconhecida como tal, tanto pelo Condomínio Solar de Brasília quanto pelo próprio Condomínio Ville de Montagne.
Apesar de a lei não o prever, a jurisprudência vem exigindo o encravamento como requisito para a declaração judicial de servidão de passagem, preocupada, certamente, com o grave ônus que possa recair sobre o imóvel serviente. Assim, com o intuito de reconhecer a servidão de passagem somente em casos de necessidade, os Tribunais vem ampliando os seus requisitos, compelindo o interessado a demonstrar a sua verdadeira necessidade de se utilizar de imóvel alheio. Aqui, apenas para ilustrar, eis que, como já constatado, o Condomínio Ville de Montagne não está em situação de imóvel encravado.
Eis algumas ementas de julgados nesse sentido:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE MANUTEN-ÇÃO DE POSSE - REQUISITOS AUTORIZATIVOS DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA - SERVIDÃO DE PASSA-GEM - HONORÁRIOS DE ADVOGADO. NÃO SE COMPROVANDO OS REQUISITOS AUTORIZATIVOS DA PROTE-ÇÃO POSSESSÓRIA, OU SEJA, A PROVA DA POSSE E A CARACTERI-ZAÇÃO DE ESBULHO E TURBAÇÃO, NÃO HÁ COMO SE ACOLHER O PEDIDO DE MANUTENÇÃO DA POSSE. NÃO SE CONSTITUI SERVIDÃO DE PASSAGEM A ESTRADA SE, NA GLEBA, HÁ OUTROS ACESSOS À VIA PÚBLICA. MOSTRAM-SE BEM FIXADOS HONORÁRIOS DE ADVOGADOS SOBRE O VALOR DA CAUSA, SE O PEDIDO FOI JULGADO IMPROCEDENTE, SEM CONDENAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. (APC4859998, Relator WELLINGTON MEDEIROS, 3ª Turma Cível, julgado em 21/09/1998, DJ 14/10/1998 p. 54)".
"AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE PASSAGEM - ABERTURA DE VIA PÚBLICA ACESSÍVEL AO PRÉDIO DOMINANTE - EXTINÇÃO (CC, ART. 709, II). 01 - A servidão de passagem extingue-se pela abertura de estrada pública, acessível ao prédio dominante. 02 - O mau estado de conservação da via pública não tem o poder de restabelecer servidão extinta. 03 - Apelação conhecida e improvida. Unânime. (APC3510095, Relator JOSE DILERMANDO MEIRELES, 5ª Turma Cível, julgado em 05/06/1995, DJ 28/06/1995 p. 9.043)".
"SERVIDÃO DE PASSAGEM. IMÓVEL ENCRAVADO. ESTRADA ENTRE DUAS GLEBAS. INEXISTÊNCIA DE SERVIDÃO. IMPRESCINDÍVEL À CONFIGURAÇÃO DA SERVIDÃO DE PASSAGEM SEJA O IMÓVEL ENCRAVADO, DE MODO A IMPOSSIBILITAR O ACESSO A LUGARES PÚBLICOS. (APC3263494, Relator NÍVIO GERALDO GONÇALVES, 3ª Turma Cível, julgado em 01/08/1994, DJ 17/08/1994 p. 9.481)".
De outro lado, causa perplexidade a atitude da AMORVILLE que, mesmo sendo um condomínio, cabendo-lhe zelar pela observância dos seus regimentos por parte dos seus condôminos, recorrendo em muitos casos ao Judiciário para fazê-los cumprir, quando na situação de condômina e, portanto, sujeita às normas da mesma natureza daquelas que defende o cumprimento, age diametralmente em sentido oposto. O desvirtuamento pela AMORVILLE da destinação do imóvel do qual é titular no Condomínio Solar de Brasília, transformando em portaria um lote residencial, configura abominável paradoxo, com o qual não se compraz o Direito.
No caso em exame, a AMORVILLE não demonstrou exercer posse sobre a faixa de terras que chamou de servidão. Não demonstrada a posse, o indeferimento do pleito possessório é medida que se impõe.
Por seu turno, o Condomínio Solar de Brasília demonstrou sobejamente a sua posse sobre a área litigiosa.
No tocante às ameaças de turbação promovidas pela AMORVILLE estão suficientemente comprovas pelos documentos carreados e pela própria conduta da Associação, declarada nas peças processuais por ela apresentadas.
Dentre os fatos que confirmam as ameaças à posse, sobressai a faixa afixada no lote em que a AMORVILLE pretendia instalar a portaria, insuflando terceiros a turbarem a posse do Condomínio Solar de Brasília.
No mesmo sentido, convence o Boletim de Ocorrência que culminou com o TC-Queixa-Crime n.º 6477-3, figurando como Querelante CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASÍLIA e como Querelado MARCO ANTONIO ELEUTÉRIO DE BARROS LIMA. Naquele expediente, segundo declarações colhidas perante a Autoridade Policial, o Requerido Marco Antônio Eleutério de Barros Lima atentou contra a posse do Condomínio Solar de Brasília, serrando a grade externo do condomínio (fl. 151/152).
No tocante ao pedido de indenização, as partes se limitaram a deduzir o ressarcimento, sem demonstrar sua ocorrência, tampouco detalhar os alegados danos sofridos, razão pela qual não merece acolhimento.
Quanto ao pedido de indenização formulado pelo Condomínio solar de Brasília, nos autos do Interdito, anote-se que nos autos do TC n.º TC-Queixa-Crime n.º 6477-3 houve a composição dos danos por parte do Requerido Marco Antônio Eleutério de Barros Lima, em relação ao qual a desistência do feito é ora homologada.
Isso posto, firme nas razões expendidas: a) HOMOLOGO a desistência noticiada nos autos de Interdito Proibitório em relação ao Requerido MARCO ANTÕNIO ELEUTÉRIO DE BARROS LIMA; b) JULGO IMPROCENDENTE o pedido de manutenção de posse formulado pela AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTANGE; e c) JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos pelo CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASÍLIA nos autos da Manutenção de Posse e do Interdito Proibitório, CONDENANDO a AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTANGE a se abster de praticar qualquer ato que desvirtue a destinação do imóvel tido por QD-03, CONJ-32, LOTE-03, CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASÍLIA-DF, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem prejuízo de outras medidas judiciais cabíveis.
Destarte, resolvo o mérito das demandas, consoante o disposto no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em face da sucumbência, condeno a AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTANGE, em ambos os feitos, ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em cada um deles, com esteio no artigo 20, §4.º, do Código de Processo Civil.
A AMORVILLE - ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO VILLE DE MONTANGE fica intimada, desde já, que deverá cumprir o presente julgado no prazo de 15 (quinze), contados a partir do trânsito em julgado, sob pena de incidência da multa de 10% (dez por cento), prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.
Transitado em julgado o presente decisum e passado o prazo de cumprimento espontâneo da obrigação, intime-se o CONDOMÍNIO SOLAR DE BRASLIA a requerer o que de direito, apresentando, se o caso, a planilha atualizada dos cálculos.


Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Paranoá-DF, 09 de dezembro de 2009.

ANA MARIA FERREIRA DA SILVA
Juíza de Direito

Quadra 01 Área Especial S/N, Lago Sul
CEP: 71680-357

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